por Jorge Ondere Escrever sobre um tema de grande complexidade, a saber, o suicídio, pelo viés de Albert Camus, filósofo francês cuj...

DO SUICÍDIO (I) – EM ALBERT CAMUS

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por Jorge Ondere

Escrever sobre um tema de grande complexidade, a saber, o suicídio, pelo viés de Albert Camus, filósofo francês cuja filosofia também é complexa, é tarefa, deveras, difícil; entretanto, a tentantiva desse escrito tem como objetivo realizar algumas reflexões advindas da leitura da obra “O Mito de Sísifo”. Ainda que tal objetivo esteja longe de ser alcançado, pretendo, por meio desse espaço, divulgar a obra, compartilhar um pouco de minhas reflexões e espero, ao menos, suscitar algum interesse no leitor pela filosofia camusiana (link para acessar a obra segue nas referências). 


Nesse parágrafo, escrevo o modo de como me organizei para expor o pensamento. O delineamento segue assim: 1) serão mostrados índices acerca do suicídio a partir do noticiário e das notícias; 2 )irei expor o que compreendi acerca da máxima camusiana “Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio”; 3) a partir de 2, tentarei conceituar aquilo que Camus entende por “absurdo”, pois este tem relação intrínseca ao suicídio no sentido de que, para o filósofo, a morte voluntária é a solução para a condição de absurdidade do humano.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2014, mencionou que a cada 40 segundos ocorre um suicídio, em média, isso resulta em um milhão de suicídios por ano. No Brasil, o índice de prevalência tem aumentado; em 2014, o G1 divulgou que o país está em oitavo lugar; o Rio Grande do Sul, em 2013, era o primeiro estado. Esses dados conferem significativa preocupação, gerando o engajamento de profissionais de diferentes áreas para o desenvolvimento de pesquisas, trabalhos e tratamentos que possam propiciar um retorno positivo à humanidade.  

Logo no início do Mito, o filósofo escreve: “Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia” (Camus); os demais problemas como, por exemplo, quantas categorias tem o ser, se a alma é o homem e etc são secundários. Penso que Camus não está insinuando que estes problemas secundários não são considerados sérios no sentido de serem insignificantes, mas, sim, pelo fato de que, se não há vida, não há filosofia; por isso, julgar se a vida vale a pena ou não ser vivida é fundamental, pois a filosofia e seus problemas dependem dessa resposta e é nesse sentido que esse problema é realmente sério. Considerei-o, a partir da leitura, de originário. A partir daquilo que consegui refletir, esse problema me remeteu à Metafísica aristotélica. Em Alfa, Aristóteles refere que, no momento em que a humanidade garantiu a sua sobrevivência, pode filosofar, sendo assim, a vida originou a filosofia, de acordo com o filósofo grego, a “sabedoria começou a ser buscada quando já se encontravam satisfeitas todas as necessidades”. Nas próprias palavras de Camus “cultivamos o hábito de viver antes de adquirir o de pensar” (Camus). Portanto, é necessário cultivar a vida. Vale ressaltar que, segundo o dicionário, um dos significados de cultivar é “preparar e cuidar a terra para que produza”, então, se vale a pena a vida ser vivida, então, ela é preparada e cuidada para possibilitar a produção filosófica e a própria ação de pensar; caso contrário – se não vale a pena -, a filosofia e o pensamento não tem terreno para florescer.

Para Albert Camus, o filósofo, “para ser confiável, deve pregar com o exemplo”. Viver ou não viver: a vida vale a pena? A resposta é o gesto definitivo. Isso me fez refletir acerca do quanto o filósofo tem responsabilidade por suas ações, pois estas são o exemplo. Para mim, isso implica em uma postura ética. Somos responsáveis não só por cultivar a vida; também, por exercer a atividade filosófica tanto do problema fundamental (o suicídio) quanto dos problemas secundários.

 O ponto chave é que, para Camus, pensar implica, necessariamente, em se deparar com o absurdo, ou melhor, vivenciá-lo. Pelo que compreendi, o absurdo, nesse caso, é no sentido de ser uma condição na qual o indivíduo vivencia ao pensar. Este conceito, para Camus, significa aquilo que é incompreensível, que é impossível dar um sentido claro e preciso, em outras palavras, o absurdo ocorre quando o homem confronta o mundo e a si mesmo e, o que advém desse estado fronteiriço (pois um dos significados de confrontar, no dicionário, é fazer fronteira, por exemplo, minha casa confronta a rua, ou seja, faz fronteira com a rua), é a consciência cuja atividade é o pensamento absurdo, ou seja, ausente de sentido. No entanto, para significar e, dessa forma, atribuir sentido, o indivíduo confronta o mundo e a si mesmo fazendo enlaces com aquilo que lhe é desconhecido: é assim o pensamento. Desistir disso é desistir da vida. Em outras palavras, a questão é: vale a pena viver o absurdo quando se faz fronteira com o mundo e consigo mesmo? Ora, se o cultivo da vida propiciou o pensar, e pensar implica na condição de absurdidade, negá-la é negar a vida, conforme Camus “o suicídio é uma solução para o absurdo”. Por isso, o absurdo é o ponto de partida, “começar a pensar é começar a ser minado”, em outras palavras, “é a lucidez diante à existência que pode levar o homem à rejeição do existir” (Pimenta).

A questão que fica é: até que ponto o pensamento é minado? O quanto suporta o absurdo? O filósofo refere que há uma interrogação constante: vale a pena a vida ser vivida ou não? É como se fosse uma oscilação: abandona-se a condição incompreensível (do absurdo) ou se convive com ela? Esse questionamento, para Camus, é do indivíduo consigo mesmo e com o mundo: ora compreende a si mesmo, ora não; ora compreende o mundo, ora não. Isso porque, para o filósofo, os sentimentos profundos tem significado para além da consciência, e os sentimentos profundos são da absurdidade; portanto, o sentimento de absurdo tem significado para além da consciência (é incapturável). Quando Sísifo, empurrando a pedra morro acima, está alcançando o cume da montanha, eis que ela rola para o ponto de partida, isso ocorre infinitamente: é o seu castigo (ver vídeo nas referências).

Para descrever o absurdo do indivíduo consigo mesmo e de si com o mundo, penso que Dostoiévski pode auxiliar nesse sentido (ressaltando que Albert Camus tem, como grande influência, esse escritor russo):

“Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos seus amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em grande segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até de si próprio”. Penso que tal medo é a vivência da absurdidade advinda do pensamento que o indivíduo faz na tentativa de desvendar seu próprio Eu.

“Somos assim: sonhamos o voo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso, trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram”. No contexto da presente discussão, penso que podemos substituir o vazio por absurdo e a gaiola por suicídio.

Em síntese, a condição humana, para Camus, está impossibilitada de compreender com clareza o sentido do mundo e da vida em função do conflito existencial advindo da consciência. O estado fronteiriço resulta no absurdo. Apesar de nunca ser resolucionada – a não ser que se declare que a vida não vale a pena -, sempre há renovação nessa condição, pois a persistência e coragem de desvendar a absurdidade de si e do mundo é que permite a vida. É como se fossemos estrangeiros em nossa própria terra, como se sentíssemos estranheza naquilo que nos é familiar, como se fossemos espectadores atuando em cima do palco, como se concretizássemos no âmbito do simbólico e simbolizássemos na concretude, como se fôssemos os espaços vazios do átomo preenchendo o Eu e o Mundo. Assim, tendo essa impossibilidade, ocupa-se “sempre de representar cada vez melhor” (Camus); é uma continuidade para “entrar o mais fundo possível”, conforme o filósofo.

Referências Bibliográficas:

Albert Camus. O Mito de Sísifo: Ensaio sobre o absurdo. Em http://lelivros.website/book/baixar-livro-o-mito-de-sisifo-albert-camus-em-pdf-epub-e-mobi/.
Pimenta, Danilo Rodrigues. A postura camusiana perante o suicídio físico. Fragmentos de Cultura, v. 22, n. 3. p. 281-288, 2012. Em http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/existenciaearte/A_Postura_Camusiana_Perante_o_Suicidio_Fisico.pdf.
Vídeo sobre o Mito de Sísifo: https://www.youtube.com/watch?v=aAbFMk_uw0k.
Centro de Valorização da Vida: Ligue 141 para atendimento. 


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Um comentário :

  1. Muito bom uma versão nova da vida e da não vida com matrix da "filosofia mãe". texto elucidativo e desafiador. Abraço, bela inspiração.

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