por Guilherme Wermann            Um dia desses decidi entrar naquele quartinho isolado que existe dentro de mim. Aquele em que eu ...

Coração

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por Guilherme Wermann

           Um dia desses decidi entrar naquele quartinho isolado que existe dentro de mim. Aquele em que eu procuro manter a porta sempre fechada e a luz desligada. Aquele em que eu guardo as coisas que deveriam se jogadas fora, esquecidas, apagadas. Mas não, nunca guardadas. Porque eu as guardo? Não sei. Talvez seja por essa minha mania de por reticências onde deveriam ser postos pontos finais.  Ou talvez seja pela minha dificuldade de deixar o passado, enfim, passar. Eu decidi entrar lá para poder lembrar daquilo que um dia fui, e que diante de todos os problemas e medos que me cercam, eu esqueci como ser. Mas eu entrei lá, principalmente, para reencontrar um algo que nunca quis perder. De leve empurrei a porta de fechadura quebrada. Pela pequena fresta que se abriu pude ver apenas escuridão. Parei por uns segundos refletindo sobre se devia, ou não, entrar lá. Mas no fundo, eu já sabia que era tarde demais.


           Abri a porta e o breu me cobriu, procurei o interruptor a fim de acender a luz. Minha mão tateando o vazio em busca de algo que eu não podia enxergar. Senti-o tocar em minha mão. Apertei-o. E como se aquele pequeno ato tivesse soprado algumas teias de aranha da minha memória, tudo se iluminou. Tudo estava lá, como eu deixei da última vez em que prometi nunca mais entrar ali. Alguns sonhos atirados no chão, junto com fotografias desbotadas de rostos que há tempos não conhecia.

             Nas paredes, antes coloridas de lembranças, agora manchas de um futuro que jamais irá acontecer se faziam presentes. De forma, que ficava quase impossível distinguir o real do surreal. As prateleiras onde costumava guardar minhas maiores conquistas, já estavam cobertas de pó. Em um canto havia alguns dos brinquedos preferidos da minha infância. Alguns deles estavam quebrados, outros não. Mas todos estavam esquecidos, assim como os bons momentos que eles um dia me deram. Sabe, nisso as pessoas são um pouco parecidas com os brinquedos. Nós às usamos enquanto elas nos divertem, e depois, simplesmente às abandonamos. Sem mais, nem menos. Entrei devagar, cuidando para não tropeçar em nada, e empurrando com cuidado as coisas que estavam no caminho. Fui em direção daquele armário que estava no canto do quarto. Era um armário branco, com quatro portas, e cinco gavetas. Ele agora trazia uma aparência daqueles móveis das casas abandonadas de filmes amadores. Fui direto à última gaveta. Era ali que eu guardava os amores que vivi. Eu os guardava em álbuns, que traziam os momentos mais marcantes da minha vida “a dois”. Não posso negar, que de certa forma, ela estava cheia. Mas cheia de álbuns vazios que apenas ocupavam espaço. Apenas um deles estava cheio. Peguei-o e em seguida fechei a gaveta. Com o pé empurrei alguns sonhos para o lado, e me sentei no chão. Pouco a pouco comecei a olhar as imagens. Vi teu sorriso na primeira vez que nos encontramos.

        Vi as vezes que ficamos conversando sobre nada à noite toda. Vi a tua cara de mau humor de quando eu te acordava só pra dizer que te amava. Eu vi cada um. Um por um, dos nossos momentos. Eu revivi cada um. Um por um, dos nossos sentimentos. Eu me afoguei no mar infinito que é o passado. Deixei-o me levar. Deixei-me sentir. Entreguei-me a morte. E revivi. Revivi quando a última imagem chegou. Estava tudo branco. Eu não conseguia lembrar muito bem daquele dia. Eu nem sabia dizer, se realmente aquele dia existiu. A única coisa que lembrava era do caos. De você entrando no meu quarto chorando, jogando nossos planos nas paredes, largando nossos sonhos no chão e dando um fim naquilo que um dia, jurou ser pra sempre. Então como sempre, eu apenas fechei o álbum. O guardei na gaveta, e assim como havia entrado, sai devagar. Agora eu não sabia de nada, ao mesmo tempo em que sabia de tudo. No final, era sempre assim. Eu sempre iria te guardar. Eu sempre iria te lembrar. Desliguei a luz e fechei a porta daquele quartinho, que um dia chamei de coração.





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