por Heitor G. Volff Pereira            “Há quem diga que nas entranhas deste capão há um homem que, a cada lua cheia, se ...

CONTOS & CRENÇAS - Medo personificado em forma de bicho

/
0 Comments

          por Heitor G. Volff Pereira

           “Há quem diga que nas entranhas deste capão há um homem que, a cada lua cheia, se transforma em um monstro que parece cachorro, com orelhas de morcego e olhos que brilham feito brasa [...] Certo dia, no capão, topei com o sinistro [...] Meu cusco, urrador corajoso marcado de dente de porco do mato, quando avistou o demônio começou a chorar. O bicho andava meio agachado, me olhando de "revesgueio" e parecia não ter medo da espingarda. Quando tentei me aproximar, o animalão bufou, olhou pra cima, soltou um temeroso de um uivo e fugiu pra nunca mais aparecer [...]”

Muitos o consideram a mais perigosa das criaturas, aquele que tira o seu sono durante as noites da Quaresma. Lobo durante as noites de lua cheia, retornando aos moldes de moço ao amanhecer. Seu nome deriva do grego, sendo chamado também de licantropo, e seus feitos estão registrados em diversas culturas mundo a fora. Ao menos em terras tupiniquins, dizem as línguas sábias que a sétima criança em uma sequência de filhos do mesmo sexo tornar-se-á um lobisomem, e que este após atingir a maioridade, à meia-noite de sexta-feira vai até uma encruzilhada para se transformar e saciar a sua sede por sangue, voltando àquele mesmo local para deixar a maldição de lado e retornando em uma lua cheia próxima.

Deixando de lado a “metodologia da transformação”, vamos nos concentrar em algumas características deste criptídeo para que uma explicação racional possa ser elaborada...

O lobisomem é descrito como um ser bípede, na maioria das vezes, com traços caninos. Em contrapartida ser um homem qualquer durante o dia, suas atitudes remetem a selvageria de um ser movido por instintos tais como reproduzir, proteger o território e matar para se alimentar. Esta característica peculiar é proveniente do mito moderno do lobisomem, e este é o argumento mais usado para fundamentar a existência, de fato, de um ser híbrido ou, na pior das hipóteses, de um metamorfo que, em suma, é o termo usado para designar um indivíduo que pode se transformar em um animal. Na Criptozoologia é comum deparar-se com estas discussões sobre quadrúpedes que podem ou não, nem que por um curto período de tempo, se sustentarem em duas patas e que podem ter originado o mito do lobisomem. Muitos foram os suspeitos, desde ursos até hienas e o próprio lobo. O ponto crucial desta discussão é que em muitas das ilustrações datadas do período medieval, os lobisomens são descritos sobre a perspectiva de um quadrúpede (não entrando no mérito de ser ou não um lobo) de aspectos físicos notáveis, aparentando ser apenas um animal selvagem se alimentando de sua presa, podendo ser um nobre montado em seu cavalo.

É interessante ressaltar o fato de que há anos atrás não havia todo esse conhecimento sobre fauna e flora existente agora. Nossos avós podem, de fato, naquela época, ter se encontrado com criaturas desconhecidas, mas nada relacionado a homens que se transformam em animais, muito pelo contrário, podendo tal criatura ser um mero graxaim, cachorro-do-mato ou até mesmo um belíssimo exemplar de lobo-guará – dependendo da região em que se consumou o encontro. No caso do mito europeu do lobisomem, aqueles que ilustraram os encontros poderiam apenas ter desenhado, de maneira sensacionalista, aquilo que seria um lobo solitário a procura de uma presa fácil.

Seguindo os caminhos da psiquiatria, muitas histórias sobre homens-cachorro, homens-lobo e coisas do gênero podem facilmente ser explicadas por transtornos como a licantropia - onde o indivíduo age, pensa ser ou ter sido transformado em animal -, porém, com um toque de fantasia. Além disso, há o fator porfiria cutânea tarda, uma doença que pode levar a desfigurações do indivíduo que podem lembrar os lobisomens. Além disso, ainda falando sobre os “causos” contados por nossos avós, muito além da falta do conhecimento científico, há o fator medo.

O medo controla. Quando meus pais e tios eram crianças, por exemplo, meu avô sempre os alertava sobre os mistérios e criaturas da floresta, sobre onde ir e onde não ir, o que fazer e não fazer, caso contrário, um lobisomem iria aparecer e te devorar por completo: uma forma de obter controle sobre aquelas crianças e que estes mantivessem uma postura de submissão aos pais. O medo também proporciona cegueira e pareidolia, por assim dizer, pois muitos foram os homens que encontraram tal criatura enquanto estavam em situações em que se encontravam sozinhos e indefesos.


Bom, depois de tanto falar, seria bom tomar uma xícara de café passado e colocar mais um pau de lenha no fogão... Enquanto pego as coisas para o café, gostaria que você pensasse a respeito. Medo? Desconhecido? Ou seria o inexistente existente?

O Projeto Filosofia do Cotidiano abre espaço para todos que desejam publicar. conteúdo independente. As postagens expressam a opinião do autor e não necessariamente a linha de pensamento do Projeto.


You may also like

Nenhum comentário :

Filosofia do Cotidiano. Tecnologia do Blogger.