O artigo que segue foi elaborado em 2013 pelo educador social Ricardo Luis Reiter para a equipe do Projeto Ação Rua, da qual ele faz part...

Saberes tácitos, ou, o qual é o saber do educador social?

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O artigo que segue foi elaborado em 2013 pelo educador social Ricardo Luis Reiter para a equipe do Projeto Ação Rua, da qual ele faz parte. 

[...] é possível através da observação e da reflexão sobre nossas ações, fazermos uma descrição do saber tácito, que está implícito nelas. Nossas descrições serão de diferentes tipos, dependendo de nossos propósitos e das linguagens disponíveis para essas descrições. Podemos fazer referência, por exemplo, às sequências de operações e procedimentos que executamos, aos indícios que observamos e as regras que seguimos; ou aos valores, às estratégias e aos pressupostos que formam nossas ‘teorias da ação’. (SCHÖN, 2000, p. 31*)

Pode-se dizer, a grosso modo, que dois são os grupos de conhecimentos. O primeiro é o conhecimento técnico, adquirido por meio de capacitações, graduações ou pela própria leitura. O segundo grupo engloba um saber prático, adquirido pela experiência, numa lógica de erro e acerto. Nesse tipo de conhecimento, experiências são feitas e aquelas que vão mostrando resultados positivos acabam substituindo ações antigas e ganhando espaço dentro das atividades da equipe. Dessa forma, tanto a abordagem social, quanto as visitas domiciliares, bem como acompanhamentos e as demais atividades próprias do serviço Ação Rua vão se tornando mais ricas e qualitativas com o passar do tempo. Isso porque a equipe descobre, através de experiências que dão certo, novos métodos que vão substituindo os antigos que deixaram a desejar.

Por outro lado, nenhuma atividade é igual à outra, porque a realidade é única. É preciso ler os sinais e a linguagem do momento. Poder sentir a tensão no ar, a ansiedade, a preocupação nas expressões daqueles com quem conversamos, mas também naqueles que estão no mesmo espaço que nós, mas não são estão no foco de nossas ações. Perceber e ler essas realidades qualificam nossas informações, ampliam a visão sobre a realidade à qual a família está inserida e dão à equipe novos elementos para um trabalho mais significativo com a mesma.


Essa forma de conhecer pode ser nomeada de conhecimento tácito. É um conhecimento que parte da experiência, como se fosse uma arte, e, de certa forma, nosso serviço é uma arte. Esse conhecimento cada um aprende por conta. Não pode ser resumido em palavras, até porque faltariam páginas para descrevê-lo. Ele vem de cada experiência, pois as experiências são únicas. Apesar da rotina, dos instrumentos e dos procedimentos e métodos padrões do serviço, a equipe precisa saber adaptar-se as diversas realidades e situações que se apresentam. Essa capacidade de adaptação é um dos saberes que se adquire única e exclusivamente pela experiência. É a práxis diária que nos ensina como agir em cada situação.

Não queremos, porém, desprezar aqui o saber técnico adquirido, como já colocado anteriormente, por meio de cursos, capacitações e/ou graduações. Desejamos apenas valorizar, conforme Schön, esse outro grupo de saberes, principalmente aqueles saberes adquiridos pela experiência diária e que é aprimorado a cada nova intervenção e atuação da equipe.

Diante desse quadro, surge a discussão, também levantada por Schön, sobre o caráter cognoscitivo e teleológico de nossas ações.

[...] Entre a atividade cognoscitiva e a teleológica há diferenças importantes, pois enquanto a primeira se refere a uma realidade presente que pretende conhecer, a segunda refere-se a uma realidade futura e, portanto, inexistente ainda. Por outro lado, enquanto a atividade cognoscitiva em si não implica uma exigência de ação efetiva, a atividade teleológica traz implícita uma exigência de realização, em virtude da qual se tende a fazer do fim uma causa da ação real. (IDEM, 2007, p. 223*)

Todas nossas ações, de uma forma ou de outra, buscam desencadear um processo de aquisição de conhecimento, ou seja, são atividades com cunho cognoscitivo. Já a atividade de cunho teleológico busca dar uma continuidade no processo, ou seja, visa encaminhar a ação, seja ela qual for, para uma outra ação, desencadeando um processo de vinculação e atendimento contínuo com o usuário e/ou com sua família.

Uma vez que nossas atividades não visem apenas conhecer a realidade do usuário e suas famílias, mas sim desencadear uma série de ações que visem um acompanhamento da família/indivíduo, parece-me mister que possamos criar ações que contemplem tanto o âmbito cognoscitivo bem como o campo teleológico. Essa sincronia dos dois aspectos permitem atividades e ações que contemplam o bom desempenho das atividades do projeto, bem como a otimização do tempo.

Se as atividades da equipe forem pensadas para coletar dados (atividade cognoscitiva) e buscando também dar continuidade no processo de acompanhamento (atividade teleológica), sem sombras de dúvidas que os resultados serão mais consistentes, fidedignos e o acompanhamento se dará de forma natural.

Por fim, pode-se dizer que a atividade cognoscitiva, como bem colocado por Schön, carece de uma finalidade que exija uma ação efetiva e que visa dar continuidade ao processo. Essa ânsia é suprida pela atividade teleológica, cuja característica principal é projetar para além do presente.


De forma semelhante, a própria atividade teleológica carece de um conteúdo imediato. O seu conteúdo é efetivar uma ação futura. Dessa forma, o aspecto cognoscitivo vem para preencher o vazio que há na atividade meramente teleológica. Surge assim uma atividade cognoscitiva e teleológica que tem por característica proporcionar um processo de aquisição de conhecimento e também garantir a continuidade do processo de acompanhamento do indivíduo/família.

*SHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.










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3 comentários :

  1. Gostei de leitura , objetiva , acessível e concordo com o tema conforme é abordado.
    Parabéns

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